domingo, 22 de julho de 2018

quinta-feira, 19 de julho de 2018

Cabelo Crespo: Orgulho e Preconceito


Homens e mulheres de cabelos crespos exibem atualmente os seus cabelos como forma de não perderem a sua identidade racial e como afirmação individual. Mais do que um estilo, o cabelo afro é um símbolo de realeza que tem como objetivo mostrar ao Mundo a força das suas “coroas”

Por Júlia Dantien
 
Os cabelos crespos não são simplesmente um assunto do âmbito da estética, beleza, moda ou de escolha. É muito mais do que isso. Tornou-se uma questão muito ampla e a merecer atenção. Para a maioria dos afrodescentes, o cabelo crespo revela força e faz com que as suas origens não sejam esquecidas, apesar desta convicção chocar com o padrão de beleza dominante na Europa.
Tal como os manequins Ana Sofia Martins ou Luís Borges, muitos afro descentes transformaram o seu visual numa espécie de bilhete de identidade. Plínio Barai, 25 anos, é um exemplo. “Uso o meu cabelo natural por afirmação, pois de certa forma mantendo-o assim represento as minhas origens com orgulho”, diz com um grande sorriso, para além de considerar que recorrer ao alisamento poderia danificar o cabelo e estaria a afastar-se das suas raízes. Classifica também como “vazias” todos os que acabam por ceder ao padrão visual imposto pela sociedade em que estão inseridos: “Pessoas que fazem este tipo de mudanças não têm confiança no seu potencial e acabam por ser manipuladas. Para mim, são ocas.” Para este jovem da Guiné Bissau, “a personalidade e a autoconfiança são essenciais para resistir à pressão da sociedade”.
Vanessa Duarte, 21 anos, não se recorda da última vez que usou o cabelo liso e não esconde a adoração que tem pela sua herança capilar: “Gosto do meu cabelo e das suas formas, não o mudava, faz parte de mim, gosto do cabelo assim mesmo. Não vejo motivo para mudar, nem tenho vergonha de o usar assim.” Incentiva a que todos “soltem as suas ‘jubas’ para combaterem a discriminação.” E acrescenta: “É um começo para mostrar ao mundo algo que caracteriza as nossas raízes, mesmo que não seja bem aceite.”
Fiel ao cabelo natural há cinco anos, Mónica Santos optou por usar o cabelo natural “por uma questão de visual e de saúde capilar”. Sempre gostou do cabelo natural, mas por comodidade recorria a técnicas de alisamento. Esta mulher de 30 anos abandonou a rotina capilar quando percebeu que as técnicas utilizadas eram prejudiciais para a saúde do cabelo. Os danos provocados pelos químicos na zona capilar são confirmados por Maria das Dores, 38 anos, que trabalha como cabeleireira há cerca de dez. A sua especialidade são os cabelos crespos. Conta que sempre cuidou de cabelos quimicamente alterados, mas que aparecem cada vez mais clientes no seu estabelecimento com vontade de fazerem a transição para o cabelo natural. “Uma cliente apareceu a chorar, pois disse que estava cansada de usar químicos. Decidimos cortar o cabelo quase todo e agora vem quase todas a as semanas para eu ver o estado do cabelo. Está a crescer natural e parece que está a gostar”, refere. Maria das Dores lembra que “um cabelo natural é um cabelo com vida e muita saúde. È pena que nem todos tenham a noção que os químicos para alisar o cabelo estragam as propriedades e acabam até por danificaras belas afros”. Para responder a esta tendência, esta profissional adaptou os seus serviços de cabeleireira para ambos os públicos, tanto para quem usa o cabelo natural como para quem continua a usar químicos, mas frisa que “é notável a preocupação por parte das clientes que estão em fase de transição”.

Cabelo ou coroa
Mónica Santos revela que foi alvo de alguns comentários depreciativos, desde que optou por não alisar o cabelo. “Olha aquele cabelo! Agora, cada vez mais, veem-se cabelos assim”, exemplifica. Ignora todos os que apontam o dedo e sublinha que nunca sentiu vergonha do seu cabelo. “Esta é a minha escolha, estou consciente das limitações e aceito correr o risco”, defende.
Há quem também considere que o cabelo crespo é uma espécie de “coroa”. Aires D´Alva é um deles. Nem nas ocasiões especiais, como um casamento ou outra cerimónia, o jovem de 23 anos admite a possibilidade de alisar o cabelo. No entanto, nem sempre pensou desta maneira. Influenciado por comentários jocosos dirigidos ao seu cabelo, decidiu desfrisá-lo, mas arrependeu-se em segundos: “Já me senti ridículo com o cabelo. Foi quando desfrisei. Jurei por nunca mais o fazer. Tive que cortar e deixar crescer de novo.” Agora, diz, “vejo a afro como uma coroa. Da mesma forma que um rei pode usar a coroa, Aires D´Alva usa o seu cabelo”.
Erica Evelin Barros tem 32 anos e lembra que começou a alisar o cabelo aos sete anos. Na altura, a responsável pela sua rotina capilar era a mãe. “Estava cansada de me esconder atrás de químicos que faziam mal ao cabelo e à autoestima. Sentia-me refém do meu cabelo. Estive em busca do liso perfeito por tantos anos”, admite. Viveu muitos anos a sofrer e a odiar o cabelo. Recorda- se bem de estar ajoelhada a pedir a Deus que mudasse o seu cabelo para que os colegas deixassem de gozar com ela. “Deus não mudou o meu cabelo, mas fez-me perceber que sou uma mulher bela. Hoje, vejo no espelho o reflexo do meu orgulho, com cabelos crespos e com uma autoestima muito bem resolvida.” Agora, continua Erika Evelin Barros, “quando fazem algum comentário, estou blindada. Já não me magoa. Sei que a sociedade está incomodada. Acho que sentem que o que antes era feio, agora está a ter muita força. Por isso, digo sempre que o meu cabelo não é moda. Ele veio para ficar”.

Assunto nas redes sociais
Nos blogues e nas redes sociais, percebe-se que tanto homens como mulheres procuram e estão a optar por deixar de fazer alisamentos. Existem vários sites que incentivam o uso do cabelo natural e dão várias dicas para cuidados da “coroa”, como muitos a designam. Nas redes sociais, cada vez mais existem grupos organizados por quem nunca negou a sua identidade racial, embora anteriormente tenham aderido aos alisamentos, por considerarem que seria a melhor forma para se adaptar à sociedade. We love Carapinha é uma comunidade que ensina manejar os cabelos crespos e o principal lema é: “Amem os vossos cabelos.” Outras pessoas fazem parte destes grupos por uma questão de estética ou gosto, não estando relacionado com a afirmação individual nem com a sua identidade racial. No YouTube, há vários vídeos em que maioritariamente mulheres falam sobre os seus cabelos naturais, mostrando ao mundo inteiro os cuidados de beleza a adotar para preservar a saúde capilar. Os comentários presentes nas redes sociais evidenciam que estas pessoas usam o seu cabelo como sinal de orgulho das suas raízes e também como afirmação individual. Erika Evelin Barros refere-se ao seu cabelo como um bastião de identidade. “Estou a adorar ver tudo de incrível que está a acontecer no Brasil e em outros países. O despertar de milhares de pessoas a assumir os seus cabelos naturais. Não vejo isto como a moda que vem por uma estação e logo desaparece é algo bem mais profundo que isso”, conclui.